sexta-feira, dezembro 19, 2008

Sapo Rubim - Um Conto de Natal

António era branco. Era o que lhe chamavam, os que o conheciam. De quando em vez chamavam-lhe torto. Torto porque era corcunda, o António.

Mas esta história não é sobre ele.

Um dia, o sapo Rubim saltou uma pocinha, molhou-se e rouquejou. O sapo Rubim era muito pequenino. Talvez por isso tenha sido mais fácil molhar-se da cabeça larga às patinhas com membranas interdigitais. Já há três dias e três noites que o sapo Rubim andava pelo bosque das Rosas. Todos os animais adoravam o bosque. O ar cheirava, era doce, sentia-se no tacto. A vida era boa, era animal. As preocupações passavam pelo acto de ir beber água aos riachos e arranjar uns bagos para comer. Tudo o resto era descanso, era vida boa. Os animais eram visivelmente felizes. Os coelhos procriavam, os insectos eram acarinhados, os pássaros cantavam contentes, os ursos eram respeitados, os patos caminhavam lentamente, para não se destrambulharem. Era mesmo uma boa vida, a animal. Até ao dia em que o homem apareceu. Era o António. Afinal a história também era sobre ele. Não se fez rogado: à primeira tentativa matou um coelho. Deu-lhe com um pau na cabeça e rachou-lhe o crânio. Os outros animais tentaram ajudar o seu companheiro. O António estava preparado e distribuiu pontapés e quejandos ao resto dos animais. Ficaram todos feridos, alguns mortos. Mas felizes. Era boa a vida, a animal. Algum tempo depois o homem foi embora. Respirou-se de alívio no bosque das Rosas. "Sapo Rubim, sapo Rubim, onde estás tu?" - ecoava pelo bosque. Ninguém tinha visto o sapo Rubim desde aquela manhã.

O António nunca comeu umas coxas de rã tão crocantes na vida.

Emanuel Canoilas,
19 de Dezembro de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Sem dúvida alguma o conto de Natal com menos espírito natalício de sempre. Óptimo trabalho =P